Pular para o conteúdo principal

Como evitar a auto-sabotagem






Em entrevista, o psicanalista americano Stanley Rosner revela como funcionam os ciclos negativos de repetição, que levam a problemas no casamento, na relação com pais e filhos e no trabalho, e conta a história de alguns de seus pacientes

Todos os seres humanos têm padrões de repetição - a maioria, irracionais. Alguns calçam o pé direito sempre antes do esquerdo, ou vice-versa, outros sempre dão topadas nas mesmas quinas dos móveis ou gostam de comer determinados alimentos antes de outros. Quando são acontecimentos corriqueiros, não há grande importância. O problema é quando a repetição é destrutiva. “São compulsões que levam indivíduos à beira da loucura e destroem vidas - as suas próprias e as de outros”, diz o psicanalista freudiano americano Stanley Rosner. Com quarenta anos de experiência, Rosner detectou esse tipo de comportamento em muitos de seus pacientes.


ÉPOCA - O que é o ciclo da auto-sabotagem? 
Stanley Rosner - É a tendência a se repetir, indefinidamente, atitudes destrutivas. É claro que a maioria das pessoas não percebe o que faz. Prefere acreditar que a insatisfação é apenas fruto de algo externo. E essa negação faz com que ela siga em frente, sempre sofrendo. Pode se manifestar em absolutamente todos os aspectos da vida: no namoro, no casamento, na criação de filhos, na escola, no trabalho. 


ÉPOCA - Em que situações a auto-sabotagem acontece? 
Rosner - No casamento, por exemplo, que é um espaço de luta de poder e desejos, é comum o marido ou a esposa deixar o outro controlar, dominar e punir, enquanto o outro simplesmente age de forma que esse controle e essa dominação cresçam ainda mais. Ambos seguem um acordo silencioso, não importando se ele traz culpa ou dor. Também é muito frequente uma pessoa casar várias vezes e, apesar de os parceiros serem absolutamente diferentes, criar situações e problemas idênticos com todos eles. Qualquer um pode perceber que um padrão está sendo repetido - menos ela própria. Outro ponto: em meus pacientes de terapia de casais, costumo encontrar semelhanças entre cônjuges e seus pais. E o paciente se assemelha com quem ele mais teve dificuldades: o pai frio e distante deu origem ao marido insensível. É a representação de uma relação mal-resolvida do passado. 


ÉPOCA - A infância é, então, a origem dessas repetições? 
Rosner - Sim, é basicamente na relação entre pais e filho que se constroem esses padrões. É de traumas, grandes ou pequenos, do começo de nossas vidas que isso tudo nasce. De um sentimento de abandono, nasce a crença de que se aquilo for repetido, as coisas serão transformadas. Tudo é inconsciente, é claro. 


ÉPOCA - O divórcio dos pais faz com que as crianças tenham dificuldades emocionais no futuro? 
Rosner - Não o divórcio em si. Mas se o divórcio é complicado e, principalmente, se a criança é usada como uma bola de futebol neste processo, isso deverá, sim, acarretar problemas mais tarde. O mesmo se os pais ficam anos falando mal um do outro na frente da criança. Tudo que quebra a confiança e a segurança de uma criança pode fazê-la ter dificuldades emocionais na vida adulta. 


ÉPOCA - Quais são os casos mais comuns de auto-sabotagem no trabalho? 
Rosner - Todos conhecemos alguém que pula de emprego em emprego e está sempre culpando um chefe ou os colegas. Nos novos empregos há sempre problemas semelhantes aos anteriores. Isso é porque o relacionamento interpessoal é um fator muito importante no trabalho - tanto quanto dedicação ou competência. As percepções das pessoas no local de trabalho muitas vezes são distorcidas por relações mal resolvidas do passado, da mesma forma que no casamento. Vê-se um chefe como o pai severo ou uma colega como a irmã competitiva. A auto-sabotagem nasce daí: questiona-se a autoridade do chefe, negligencia-se uma meta, começa-se a chegar  atrasado. Como forma de combater inconscientemente algo do passado que ainda nos atormenta. 


ÉPOCA - Como controlar a auto-sabotagem? 
Rosner - Evitar essas repetições destrutivas é muito difícil, porque elas estão consolidadas em nosso inconsciente desde muito cedo. Uma pessoa pode até perceber sua compulsão em agir daquela maneira e, a partir disso, acreditar que poderá controlar-se da próxima vez. E mais uma vez ela age destrutivamente e crê que na próxima ela evitará e assim por diante. Por isso eu digo que estar ciente de seu padrão de repetições é extremamente importante, eu diria que é o primeiro passo. Mas o caminho para estancar esse comportamento é ir de encontro ao trauma que está na raiz de tudo. Enfrentar esta tristeza. 


ÉPOCA - O senhor diz em seu livro que o caminho é a terapia. Por que? 
Rosner - Porque é o caminho mais curto. E, na grande maioria das vezes, o único caminho. Muitos pacientes iniciantes agem como se tivessem nascido ontem e se recusam a falar do passado. Acham que é no presente que está a resolução de seu problema. Aos poucos vão percebendo que é preciso voltar no tempo para interromper o ciclo. A chave está na origem dos conflitos.

Comentários

  1. Muito forte e revelador isso...

    ResponderExcluir
  2. Quantos problemas poderiam ser evitados, como a qualidade de vida aumentaria... se todos tivessem conhecimento disso, e partissem pra terapia na veia! ( e mesmo assim é um processo difícil por demais... a gente vai mudando as roupagens de nossos sintomas, sem se dar conta de que a resistência ainda é imensa... ) Para um processo analítico, de verdade, antes de mais nada, o indíviduo tem que ser corajoso: primeiro em assumir suas próprias culpas, e depois pra se submeter a um tratamento analítico!


    Helô

    ResponderExcluir
  3. Na verdade, eu até acredito que alguns conflitos estão ancorados com o passado sim. Mas acho que devemos deixar o passado para trás e viver da melhor forma possível daqui(do presente) em diante, tentar formular, trilhar novos caminhos para um futuro de boas escolhas.

    ResponderExcluir
  4. Maravilhoso o artigo, porém é uma tarefa ardua.

    ResponderExcluir
  5. Conheço meu padrão de repetição , e realmente é muuuito dificil não repetir ...o que devo fazer??Estou sem grana e a psicanalise ...é impossível neste momento

    ResponderExcluir
  6. Entendi este processo, admitir que algo ruim nos aconteceu e chorarmos por isso é importante, tende a nos aliviar, só não sei como fazer a manutenção desta paz que já experimentei, para que uma culpa que não é minha me persiga.....

    ResponderExcluir
  7. Tenho um comportamento de auto sabotagem , já havia chegado a esta conclusão...mas mesmo tendo conciência não consigo conter o padrão! o que devo fzer....não tenho como fazer psicanalise!

    ResponderExcluir
  8. Não sei o que é pior, saber ou não saber deste inconsciente, deste padrão. Me sinto consciente do meu padrão, dos meus erros e da minha autossabotagem. Mas o que fazer? Como sair? É duro, difícil e dói, dói muito, dói demais. Meu Deus, parece um poço sem fundo, parece um beco sem saída. Sinto medo às vezes quando sinto que a morte pesa um pouco menos na balança da vida, quando sinto que não pode doer mais do que já dói. Mas tenho um filho e não queria que ele ficasse neste mundo sabendo que seu pai se foi e não está mais aqui para protege-lo. Tô assim, sem luz, sem esperança...

    ResponderExcluir
  9. Em alguns momentos da minha vida me vi fazendo isso....
    excelente Aglair!
    Marília

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

16 doenças mentais que confundimos com virtudes

O que diferencia um comportamento razoável de outro patológico é a intensidade, frequência e grau de prejuízo que causa para a própria pessoa e os outros. Nossa sociedade não é das mais saudáveis mentalmente, visto que psicopatas são CEO’s, estelionatários podem ser políticos. Então o fato é que aquilo que é visto como virtude na real pode dar indícios de um fundo patológico que ninguém percebe. Nem todas as pessoas que têm essas características têm a psicopatologia, mas todas as pessoas com o distúrbio costumam ter esses pontos em comum, ou seja, um item isolado não faz o diagnóstico completo (normalmente mais de cinco em cada patologia).  Sexy – a sensualidade está longe de ser um problema, principalmente em contexto adequado ela é um afrodisíaco para conquistar alguém para intenções afetivas ou sexuais. Mas se ela é inadequada, invasiva, exagerada, dramática e acompanhada de uma necessidade desesperada de chamar atenção pode ser sinal de Transtorno de Personalidade Histriôni

4 maus costumes que podem destruir seu casamento

Imagine a seguinte cena: você chega do trabalho e seu parceiro já começa a cobrar ou a reclamar de algo, você responde de forma ríspida e os dois começam então uma sequência de críticas, insultos e acusações. No final, não há um acordo entre vocês – nem um e nem outro reconhece o erro e o clima pesado toma conta da casa. Essa situação é familiar para você? Se for, não se desespere! O primeiro passo para quebrar esse hábito é reconhecê-lo. Depois, é preciso também estar disposto a mudar, caso contrário, muito provavelmente, seu casamento entrará em uma crise, afinal atitudes como essas destroem qualquer relacionamento. Então, tome cuidado e não repita os seguintes costumes que podem se tornar muito nocivos para o seu casamento: 1. O costume de revidar Quando marido e esposa respondem negativamente um ao outro, a conversa fica cada vez mais hostil. E os comentários negativos crescem cada vez mais com a raiva e frustração. Deste modo, a tendência será sempre pensar que “o que vai

PESSOAS TÓXICAS - CUIDADO!

Muitos dos problemas de autoestima que afetam milhares de jovens e adultos nada têm a ver com doenças de carater emocional ou psicológico, (embora possam vir a se tornar um problema desse genero), mas a sua genese está nas pessoas tóxicas que permitem que interfiram e permaneçam na sua vida. Estas pessoas têm a capacidade de despertar o pior que há em nós e até de nos fazer acreditar que somos frageis, instáveis, incapazes de tomar decisões sem o seu parecer, incapazes de nos relacionar com o próximo e de sermos independentes. Por norma, as pessoas tóxicas procuram controlar os outros através do abuso emocional. Levam os que lhes são próximos- através das críticas constantes- a crer que algo terrível lhes acontecerá se algum dia se desprenderem deles. Incapazes de fazer um elogio, dão ares de conhecer grandes segredos a respeito das outras pessoas, de saber coisas que mais ninguém sabe, tudo para os certificar que a terra para de girar se eles assim o desejarem. Muitas pessoas